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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Ataque no Quênia

Ontem eu publiquei uma atualização de status reclamando da forma eufemística, beirando a idiotia, como o Fantástico deu a notícia do ataque no Quênia: "Os terroristas liberavam os muçulmanos e atiravam naqueles que chamam de INFIÉIS". Ao ser apresentado dessa forma, o incidente é completamente esvaziado de sua dimensão político-religiosa, primeiro porque não deixa claro que os terroristas ERAM, DE FATO, MUÇULMANOS (a grande maioria do povo brasileiro não entende as coisas nem quando a explicação vai acompanhada de um desenho, quanto mais quando a informação foi propositalmente tornada subentendida nas entrelinhas!). Depois porque, ao não explicitar o fato de que o shopping que sofreu o ataque era majoritariamente frequentado por cristãos e/ou brancos, optando por formular a afirmação de que os terroristas “atiravam em quem chamavam de infiéis”, dá-se a entender que os teoristas decidiam ad hoc quem era “fiel” e quem não era; reforçando mais uma vez o esvaziamento político-religioso do ato. Para variar, fui acusado de preconceituoso.

Uma senhora comentou: “tem dois chineses entre os mortos, eles podem muito bem ser budistas”. Jesus!!! O que foi que Paulo Freire fez com mente dessas pessoas??? Houve um ataque que resultou em 69 mortos e 63 desaparecidos, qualquer um que saiba minimamente o contexto da região sabe das motivações jihadistas dos autores, e essa senhora quer tapar o sol com uma peneira ignorando o contexto, ignorando as mais de 100 vítimas e fazendo todas as inferências a partir de apenas duas delas. Meldels! Sem contar que a própria ausência de lógica interna no argumento é motivo de ‘alii pudore’. Eu perguntei se ela sabia o que era um non sequitur e ela respondeu: “nem todos os não-muçulmanos são cristãos, quer você queira ou não”. !!!!!!!!!!!!!!!!!! A resposta não poderia ser mais ilustrativa. A garota não só NÃO sabe o que é um ‘non sequitur’, como ela nem mesmo sabe lidar com as ferramentas mais básicas para construção de inferências, sendo COMPLETAMENTE incapacitada para realizar um raciocínio lógico: alguém cuja idade mental gira em torno dos 6 anos. Vejam: Alegação 01) “tem dois chineses entre os mortos, eles podem muito bem ser budistas”. Reposta à essa alegação “tem dois chineses entre os mortos, eles podem muito bem ser cristãos”. Alegação 02) “nem todos os não-muçulmanos são cristãos, quer você queira ou não”. Resposta à essa alegação “nem todos os cristãos são caucasianos, quer você queira ou não”. Entre um "podem muito bem ser budistas" e "são budistas" vai longo caminho. O que ela está dizendo é que a POSSIBILIDADE de que duas das vítimas não sejam cristãs é capaz de NEGAR definitivamente o caráter jihadista da ação. Ademais, ela deveria partir do contexto conhecido, para interpretar o incidente recém ocorrido, quando ela, na verdade, faz EXATAMENTE o contrário: parte de uma representação que ela fez do incidente (representação que ignora mais de 120 vítimas e se concentra em somente duas delas) para formular o que, na cabecinha dela, passará a ser o contexto que ela tomará como verdade, daqui pra frente. Dependendo da profissão que uma pessoa assim desempenhe na sociedade, os perigos são enormes.

Há vários engraçadinhos que mandam mensagens com mais o menos o mesmo tom: dizem que concordam com as colocações que eu faço, mas não gostam quando eu me coloco como “proprietário da verdade”. A questão não é se eu sou “proprietário da verdade” ou “inquilino da verdade”. A questão é que nós vivemos em uma época em que a total incapacidade de lidar com o raciocínio afeta a população como uma epidemia de demência. Como a grande maioria está igualmente enferma, os doentes julgam-se sãos uns aos outros, exatamente porque o primeiro sintoma dessa doença é o enfraquecimento na acuidade dos julgamentos. Quando aparece alguém cujo mínimo de rigor no trato com o raciocínio expõe o grau de acometimento a que estão eles submetidos, qual a saída??? O velho método paulofreiriano de afirmar que “se você não concordar que 2+2 é igual a 5, então você está querendo ser o dono da verdade”.